segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cabo de Guerra

Dividiu-se o mundo, a vida, o ego, a alma e você em dois opostos. Uns do lado direito, ou leste, ou norte, outros do lado esquerdo ou oeste ou sul. Colocaram-se os sentimentos, as qualidades, os defeitos, o mundo, o espírito, o inexplicável, o amor, o ódio, o belo, o feio, o bom e o ruim diante de uma corda de cabo de guerra. Cada qual escolheu um lado, e no meio, milimetricamente medido por alguém ou alguma coisa, marcaram uma linha que dividia o preto e o branco, o masculino e o feminino, a terra e o ar, o frágil e o bruto, a leveza e o peso, a sanidade e a loucura. Depois de todos estarem cada qual em seu devido lugar, alguém ou a coisa que marcou o meio da corda deu o sinal de que o cabo de guerra postasse a começar. Medindo forças, cada qual começou a puxar para seu lado. E a corda se movia para lá e para cá, para cima e para baixo. Às vezes o leste perdia forças e era carregado pelo oeste, assim vice-versa. E dançavam como uma sinfonia de Beethoven. Ora clamo e sereno como uma valsa, ora frenético e perturbador. Numa briga de galos sem fim, em que nenhum lado perdia.
O homem ou a coisa que marcou a linha no meio da corda havia se esquecido de marcar o lugar em que tal linha deveria se encontrar para que algum dos lados se tornasse vencedor ou perdedor. Esqueceu de marcar onde a linha deveria tanger para o fim dessa disputa que se prolonga por dois mil e quinhentos anos. Ora a esquerda estava mais forte fazendo com que a direita se arrastasse para seu lado, assim vice-versa. E continuavam a disputa, exaustos, fartos de toda aquela briga sem lógica e sem fim. Porém, nenhum lado cedia à vitória ou à derrota.
Ansiavam então para que a corda se rompesse e ao menos houvesse um empate, mas a corda era de aço e não arrebentava. As mãos já cansadas sangravam de agonia, mas não era permitido que nenhuma dicotomia pudesse desistir. Era, e é, inadmissível desistir. E por mais que quisessem não saberiam como, suas mãos se viam grudadas na corda de aço. Não saberiam como tirar as mãos da corda, não saberiam o que fazer de suas vidas a não ser puxar para lá e para cá, para cima e para baixo, condenados eternamente neste cabo de guerra. Não teriam o que fazer, não saberiam o que fazer, a não ser segurar a corda com toda força e puxar.
Rangiam dentes, transpiravam, suavam lágrimas salgadas, mas não largavam a corda. Ambos imaginavam que a que a solução seria a corda arrebentar. Isto os livraria do peso da derrota e da leveza da vitória, os livrariam do peso da vida e da leveza da vida. Salvá-los-iam de suas agonias, medos e exaustão. Mas a corda era de aço e não arrebentaria por mais que puxassem por mais dois mil e quinhentos anos. Somente a coisa ou o homem que marcou o meio da corda poderia decretar o fim do jogo. Porém este adormecia mais do que se punha acordado. E quando acorda se punha a beber vinho e se entregar a orgias. Às vezes olhava o cabo de guerra com a boca farta de pão, mas não pensava sobre a solução de tal desastre. Não sabia que cabos de aço não arrebentavam em jogos de cabos de guerra. E não sabia que deveria marcar o fim em que o meio da corda deveria chegar. Então, voltava a dormir e esperar pelo grande dia em que anunciaria a vitória de algum lado sem se preocupar se o norte e o sul se deglutiam em algum lugar do espaço ou dentro de mim.

7 comentários:

Anônimo disse...

No indissoluto todas as coisas são uma. Entretanto resplandecem amorfas e inertes, como potencial que não se realiza. O conflito, a rigidez da forma, o início da morte. Todas essas coisas são a entrada da vida. Ao se traçar aquela linha e polarizar o mundo entre opostos é que começa a existência.

É preciso lutar até que as mãos sangrem pelo direito de sermos quem somos, até que eventualmente os nossos nomes sejam apagados dos livros da História. Somente os místicos e os suicidas almejam o indissoluto.

O nome do seu próprio blog me fascina, "Como alguém se torna o que é", ou "Minha alma inquieta". Acredito que suas mãos estão firmementes presas nessa corda e se a escolha lhe fosse dada, você não a largaria por nada nesse mundo.

Cami Silveira disse...

querido anonimo! acho que vc me analisa demais e entende pouco meus textos!
as dicotomias do mundo e do que somos, as idéias de belo e feio, sagrado e profano, negros ou brancos existem antes mesmo que possamos perceber o que significam esses conceitos, muitos séculos antes. elas são a base da formação do mundo ocidental-cristã, e assim, consequentemente,de todos que fazem parte dela!
não sou eu quem digo ou profetizo as palavras que estão no texto, nao escrevi isto simplesmente porque sou assim. o que faço são interpretações da vida na qual tento traduzir em literatura... talvez vc deva ler mais filosofia e menos livros de auto-ajuda!!!!
não sou eu quem seguro a corda, não assumi nenhum lado do cabo de guerra, não sou boa nem ruim, sou os dois, eu sou o homem quem traçou o meio da corda! assim como vc, assim como platão, assim como o ocidente!

Anônimo disse...

não me utilizarei de ironia, mas sinto-me tão tentado...

nunca ousaria me ater a uma visão dualista simplória do que foi dito. Tentei ater-me ao conflito e a tensão entre opostos, que costumeiramente serve como elemento de equilíbrio dinâmico e dínamo para toda esse porcariada, não só ocidental-judeo-cristã-capitalista, mas toda essa porcariada universalmente aplicável a qualquer civilização ou sociedade. Chega a ser um tanto quanto insultante você acreditar(por um segundo que seja) que eu tenha atribuído a concepção ou "profetização" dessas palavras pela sua pessoa, assim como também o é acreditar que eu tenha uma visão sua como sendo a de alguém presa em um paradigma maniqueísta.

Não analiso-a por mal ou por assim querer. Tenho péssimo hábito de ler a mim mesmo nos outros, em situações e etc. Estou ciente do quanto minha visão de mundo e crenças afetam e condicionam minhas percepções e reflexões. Peço desculpas se por um acaso disse algo que lhe desagradou, mas, em verdade, para mim isso tudo não passa de um teste de Rorschach onde os seus textos(e indiretamente a autora) se tornaram minhas manchas de tinta, onde enxergo tão somente o que quero enxergar. Em suma, não desejo realmente entender você ou seus textos, mas um pouco mais sobre mim mesmo, e para tanto, acho a sua temática apropriada.

Acredito que o anonimato possa talvez lhe ser um tanto quanto incômodo, mas lhe garanto que não a conheço(e também que não pretendo conhecer). Foi justamente a simetria do anonimato que me fez escolher este blog(pelo qual passei a nutrir um profundo respeito) para esse exercício. Caso eu tenha me tornado por demais incômodo, basta dizer e ele terá um leitor inconveniente a menos.

Por ter acabado de ler O velho e o mar de Hemingway, achei particularmente interessante a metáfora do cabo de guerra, me lembrando de Santiago, o marlim e o prolongado conflito estes, tão fecundo de entendimento.

Se me permite o atrevimento, perguntarei o seguinte. Como uma escritora, acredita que a virtude maior está em ser entendida pelo seu leitor ou na capacidade da obra servir como alavanca para o entendimento do mesmo?

Cami Silveira disse...

não posso negar que seu status de anonimato me incomoda um pouco! ele facilita as coisas para vc, mas para mim, que me exponho cada dia mais neste blog, não! por mais que vc escreva claramente, e que em alguns momentos eu responda o que me escreve, isso está longe de ser um diálogo, que se fosse debatido pessoalmente talvez pudesse revelar o que está nas entrelinhas, e o que tem pertinencia ou não sobre o que dizemos! nunca retirei um comentário seu daqui e não pretendo fazê-lo, mas alguns deles me incomadam não só pelo anonimato, mas por dizer coisas sobre mim da qual não disse em meus textos, e não digo sobre mim mesma. Talvez o que eu não tivesse percebido é o que vc acaba de me revelar, que muitas coisas que escreve sobre mim dizem mais sobre vc! é claro que como leitor vc pode interpetrar os textos como bem entender, e neste caso a analogia com o velho e o mar se tornam bem pertinente, e traz sentido ao que me fala sobre segurar a corda, não escrevi pensando nesse contexto, mas ele se torna uma interpretação sua por infuencia do que acabou de ler! mas a maneira como vc se expressa me faz parecer que estou num divã quando não gostaria de estar, e apesar de vc não achar que é ironico, é ai que vc mais o é, porque não posso deixar de levar em consideração seu primeiro comentário, onde me analisou de cima em baixa sem mesmo me conhecer, e isto me veio a tona ontem a tarde e me incomodou de tal forma que quis incomodá-lo da mesma maneira!
por mais que não pretenda me conhecer, cada vez que vc acessa esse blog vc me conhece um pouca mais, e eu, com o que fico sobre vc? acredito que se fosse o contrário também se sentiria invadido!

Cami Silveira disse...

sobre a resposta de sua pergunta...
é claro que suas interpretações sobre meus textos são importantes e inevitáveis, e sim, é a isso que me proponho, se não, não iria me expor num blog onde todos possuem livre acesso, ou então, apagaria os comentários que me incomodassem!
mas seus comentários vão além do que escrevo, eles falam de mim, do que eu sou! numa analise que poderia ser um pouco precipitada em relação a minha personalidade já que não me conhece.
ou mesmo porque algumas coisas ficam ocultas no que me escreve, e isso não podemos esclarecer, porque também interpreto suas palavras da minha maneira, mas não procuro dizer o que é ou não pelo que me escreve!
as interpretações de um texto deixam brechas e valorizam outras partes que dependem somente de nossa interpretação (representação), por isso não dialogamos, mas nos expressamos de acordo com o que queremos entender, e não com o que realmente foi dito!
por mais que não tenha a intenção de me conhecer, infelizmente não posso dizer o mesmo, acredito que isso poderia esclarecer os pontos em que temos divergencias, ou mesmo em que fizemos interpretações aparentemente sem sentido um do outro!

Anônimo disse...

Este tipo de texto me deixa com muita saudades de nossas conversas criticas e paranóicas, aquelas discussões loucas sobre "o ser e o nada" (rsrs). Espero ansioso que tanto eu quanto você possamos sentir de novo essa vontade de conversar assim, mesmo. tenho certeza que um papo sobre essa sensação de dualidade nula seria bem foda sabe? Até porque tenho pensado muito isso com relação as escolhas que temos que fazer, que geralmente ficam entre "ser o que somos" ou "resignar-se a medíocridade comum", o meio-termo costuma ser facilmente esquecido. Aliás, OS meio-termos. A abstração mística do indissoluto sempre foi pra mim uma farsa, e nossa existência é uma pura tensão entre asa multiplas personas que guardamos e conflitam dentro de nós, e a retidão e monocromatismo do mundo. A polarização é tão desnecessária, creio...

Uma Música Por Dia disse...

Se sobrar um tempo aí no "cabo de guerra" entre vc e o anônimo, passa lá no meu blog...
ele tá ficando legal, tem até discos pra serem baixados!
Força aí!