domingo, 25 de julho de 2010

Começar o dia com Sharon Jones é uma ótima



música: Natural Born Lover
artistas: Sharon Jones and The Dap-Kings

então, queria muito postar essa música, só achei esse vídeo, não entendi até agora pq tem ringo starr no meio
mas a música é maravilhosa, aliás o cd inteiro "Naturally"

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sobre Elisa e Saramago (Aos trinta, part. 2)

José Saramago faleceu esta semana e resolvi ler Ensaio Sobre a Lucidez, uma forma discreta de homenageá-lo, me pareceu pertinente também, por se tratar de um ano de eleição. Não é à toa que os gênios são imortais, atemporais e dizem exatamente aquilo que você gostaria de ouvir mesmo que não tenha absolutamente nada em comum com sua realidade, eles me irritam porque me fazem parecer tão medíocre diante de minha incapacidade literária. Tive que concordar com ele quando me disse que “as maneiras de conjugar o destino são muitas e quase todas vãs”, daí eu me perco em minha cama me perguntando qual o sentido de tudo isso.

Elisa amanheceu aqui em casa de novo, é a quarta vez essa semana. Desta vez levantou mais cedo que eu e colocou a água no fogo para o café. Achei estranho quando me levantei para lavar o rosto e vi sua escova-de-dente em cima da pia, tenho certeza que isso já foi tema de filmes, assunto nas mesas de bares e principalmente causa de inícios e términos de relacionamentos, a maldita escova em cima da pia, o que significava isso? Por deus já fazia um mês que a conhecia e não me dei conta. Durante os quatro anos que estive com Rachimyr ela carregava escova-de-dente e pasta dentro da bolsa, e quando por descuido esquecia em minha casa sempre pedia desculpa pelo pelo relapso e as carregava novamente. Tenho duvidas se sua atitude em relação ao assunto era por conta própria ou culpa minha, a primeira vez que ela a esqueceu liguei urgentemente para seu trabalho para avisá-la de sua falha, discreta e serena, ela respeitava meus medos em assumir compromissos, talvez até por medo de me perder.

Elisa apareceu quando eu estava em um café numa segunda após o trabalho, gostava de uma mesa no canto, entre as quinas da parede que me ofereciam um espaço para encostar, me traz uma sensação de segurança, quase como uma companhia. E lá estava eu mais uma segunda com um copo de café expresso duplo sobre a mesa, pão de queijo na mão esquerda e o livro do Saramago se equilibrando em minha mão direita, o local estava cheio, como de costume naquele horário, e ela perguntou se poderia sentar em minha mesa enquanto já se acomodava no banco. Confesso que se ela não fosse tão incisiva e com um olhar penetrante passaria despercebida naquela mesa e seria facilmente esquecida na mesma noite, mas não, ela foi logo me perguntando que livro eu lia, do que se tratava e se era bom, e toda a minha concentração para a leitura foi pelo ralo, emendou o assunto perguntando sobre meu signo e minha profissão, disse que gostava de poesias e era atriz de teatro, me convidou para assistir a esteia de sua peça em um teatro pequeno da cidade, escreveu data, horário e local num guardanapo com seu nome e telefone e uma marca de beijo de batom rosado. Foi assim tão rápido que mal tive tempo de respirar, só me recordo de ter dito meu nome, há de notar-se que quase não falei, o diálogo foi todo conduzido por ela, como uma atriz principal e eu um mero coadjuvante, quando saiu tocou minha mão, levantou para pegar casaco e bolsa e fez carinho em meu cabelo e disse que me esperava no sábado.

Aquela atitude em excesso não me agradou no momento, e apesar de sua beleza, todas aquelas perguntas, enquanto a única coisa que eu gostaria era ficar só, me chatearam um bocado. Fui pra casa pensando na inconveniência daquela menina. A rotina voltou a mesma até que veio o sábado, eu ouvindo Bo Diddley enquanto procurava um cigarro de maconha perdido para me fazer companhia e me deparei com um pedaço de guardanapo, eram 17:40 e a peça começaria as 19:00, se tomasse um banho rápido talvez ainda pudesse chegar a tempo, calculando que o percurso até o teatro seria rápido pela ausência de transito como nos dias da semana. Teatro nunca foi um interesse que me motivasse sair de casa, mas a possibilidade de sexo já era motivo suficiente.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Almada Negreiro

Almada Negreiro, auto-retrato, 1948


"A arte é feita para perfurar, a ciência assegura"

Aos trinta: a vida é um clichê

Completar trinta anos não era um problema, mas sim o fato de estar preso em uma cidade que não gostava, em um emprego que não gostaria de exercer até o fim de minha vida, e que morreria só em um bar com um copo de whisky ou dreer, dependendo de minhas condições financeiras, pela minha incapacidade de conviver com outro ser humano que me pareciam mais vis do que eu. Não sei por que isso me toma a mente por esses dias, só pude concluir que é porque resta um mês para completar trinta, nunca havia perdido um minuto se quer de minha vida para refletir sobre minha desprezível existência, sempre achei uma perda de tempo planejar meu futuro, ou arrepender-se do passado, mas sentia uma necessidade de urgência de que algo extraordinário me ocorresse.

Os dias sucediam-se iguais, tudo dentro da normalidade, café e jornal na segunda-feira, filme às terças, futebol na televisão na quarta, uma cerveja com os colegas de trabalho em um boteco da esquina na quinta, e na sexta me reservava ao meu quarto para ler um livro, revista, ver TV, ou arrumar a gaveta de meias, cuecas e gravatas que usaria uma vez ao ano em um casamento ou batizado que as pessoas insistiam em me convidar por educação, ou talvez porque me achassem muito solitário e isso me faria bem. Voltando as meias, todas elas eram organizadas meticulosamente, enroladas em pares e empilhadas em ordem degrade, as gravatas eram estendidas num cabide e cuecas colocadas em ordem de uso. Não que isso fosse algo que importasse, como se eu somente usasse as cuecas da segunda numa segunda-feira e nunca na quinta, via neste sistema de arrumação apenas uma maneira de passar o tempo. Os sábados e domingos não tinham planos, eram aleatórios, mas nada fora de um padrão. Nem todas as semanas seguiam exatamente assim, não me importava em sair da rotina quando o destino assim quisesse, mas se fosse para contar meus dias, seria perfeitamente normal que os descrevesse desta maneira.

Não sei se já disse que moro só, há necessidade de dizer? Se sim, então ai está, moro sozinho num apartamento no centro da cidade, um quarto, uma sala, uma cozinha, um banheiro, área de serviço, prédio de três andares, sem elevadores ou garagem, nada de luxo, mas para mim bastava. Professor de português, decidi por conta própria que só trabalharia pela manhã e à tarde, gosto de minhas noites livres, não era de todo mal ser professor, mesmo que tenha sido empurrado para esse profissão por uma vaga no mercado. Antes mesmo de me formar já consegui umas aulas aqui e acolá, a grana era razoável, mas para um menino de 21, sentia-me o homem mais rico do mundo. Formei, e a quem vamos enganar, bacharel em português, a onde? Não havia mais tempo de desistir, fazer engenharia, direito ou medicina, talvez algum curso técnico, a área de informática me parecia promissora, mas eu ainda cultivava a nostalgia da maquina de escrever que meu pai me deu quando vim pra capital fazer letras, no início do século XXI confesso que ainda não tinha um computador, por deus, como iria me enveredar para área de informática, não fazia sentido. Quando não se há opção, o melhor é seguir como está, e lá se passaram nove anos. Um mês para completar trinta, só pode ser por isso o lampejo de não ter feito nada de importante até ali.

domingo, 11 de julho de 2010

Aos trinta

Tenho me achado feio, inescrupuloso e vil nos últimos dias, um sanguessuga de mim mesmo e da vida, fadado e farto ao ter que aceitar e me conformar com uma vida pequena. Sinto falta de algo grandioso, extraordinário. Sinto falta de não ter aprendido a cozinhar enquanto era tempo, ou de ter aprendido a tocar um instrumento que me punha no roll dos caras bons de cama, sinto falta de não ter saltado de pára-quedas, feito rafting, descido uma cachoeira de rapel, ter pedido carona, viajado com a mochila nas costas, conhecido um grande amor. Não fiz nada e agora é tarde, me resta a conformidade das formigas que trabalham o ano inteiro sem que nada além lhes aconteça.

Alguns marxistas fanáticos diriam que me vendi para o sistema, mas quem não se venderia diante de tantas contas que se tornaram maiores que as crises existenciais provocadas pelos filmes de Bergman. Mas é que não vim de família abastada, não fui abençoado por um tio milionário solteiro cujo sobrinho favorito seria eu, não conheci um mecenas que investisse em meus devaneios artísticos, não escolhi como profissão ser médico, engenheiro ou empresário de grande porte, não fui premiado com uma inteligência sobrehumana nem nasci muito bonito (bem verdade que não sou muito feio), vim a este mundo sem grandes talentos, e nada disso me trariam um futuro promissor. Só pude andar de avião após os 25 quando as tarifas caíram de preço devido a concorrência, e chegar a um destino em uma hora ao invés de oito, me tornou num capitalista ferrenho adepto da livre concorrência, é que apesar do desconforto das poltronas que exigiam uma acerto da coluna em 90 graus, tímpanos estourados e vertigem, ainda assim era melhor que correr o risco de sentar ao lado de um gordo e passar a noite inteira se revirando na poltrona reclinável de um ônibus. Herdei da cidade que nasci a pacata rotina de uma cidade do interior, com direito a coronelismos, clientelismos e matadores. Nasci de João Ninguém e porque minha mãe viu televisão, virei Yann Ninguém, magro, estatura dentro da média nacional, nem branco nem preto e cultivo uma barba por preguiça e influências socialistas, ou algo parecido. Vim pra capital fazer faculdade, a ajuda de meus pais era pouca, por isso, desde cedo tive que aprender a me virar sozinho financeiramente, arranjei um emprego numa livraria.

Às vezes penso que deveria ter me casado com Rachimyr enquanto era tempo, mesmo sabendo que não daria certo, mas para chegar agora, aos trinta, e poder dizer que fiz algo de minha vida. Uma estudante de artes, cheia de vida e ideais, cabelos pretos, compridos e lisos, juntos iríamos mudar o mundo. Mas nem isso tive coragem de fazer enquanto ela me olhava com a face molhada insistindo que ao menos eu dissesse alguma coisa. Ela já havia chegado a um ponto de sua vida que não poderia mais perder tempo com Yann Ninguém em um relacionamento sem perspectiva. Nem aceno com a cabeça tive coragem de lhe oferecer, deixei que tirasse suas próprias conclusões através de meu silêncio. Melhor assim, hoje Rachimyr está noiva de um bom rapaz, doutor em biologia, e foi morar em Mossoró. Sabe-se deus onde fica Mossoró, mas me parece um bom lugar para se criar os filhos.

Por algum tempo os amigos em comum diziam que ela falava sobre mim com desprezo e uma raiva contida que quanto mais ela tentava não transparecer, mais claro ficava o quanto me odiava. Não lhe guardo rancores, tão pouco poderia, mas olhando para trás, melhor seria se tivéssemos cassado. Rachimyr continuaria a reclamar de minha mania de dormir de meias mesmo nos dias mais quentes de verão, de como ando devagar na rua, dos copos sujos em cima da pia e espalhados pelo resto da casa, de quando bebia água no bico para não sujar copos e não ter que lavá-los, e porque nunca tomava uma atitude diante das situações necessária, e em três anos ela se daria conta de que não é nada disso que ela queria, ela queria era fazer mestrado, viajar pelo mundo, ser uma grande artista, e partiria sem mágoas por livre vontade e não porque deduziu que não teria um futuro ao seu lado. Eu a ajudaria concretizar seus planos e nós ainda seriamos amigos, e eu, ao menos, teria feito algo antes dos trinta.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Paz no chão

É necessário enterrar as coisas perecíveis
(E o que não é perecível neste mundo?)
É necessário ver morrer, matar
Tudo que tem necessidade de acabar

Ter a certeza de que não voltará, é passado, varrido
É apagar seu rastro, é necessário
Para que não volte, ser esquecido
É necessário matar a possibilidade que não existe

É necessário viver, todas as pequenas coisas
Amiúdes, repetidas vezes, as coisas
Que ai estão para serem consumidas
É necessário se consumir até a última fagulha

É necessário ter um emprego, casar e ter filhos
Que seja para abandonar tudo num futuro próximo
É necessário se apaixonar, e se apaixonar e se apaixonar
Quantas vezes for necessário, e deixar morrer

É necessário envelhecer, caducar, murchar
Sangrar, sarar, sair de fininho
E mais que tudo, é necessário morrer
Ser enterrado, a sete palmos, em cova rasa, cremado
E casar, ter filhos, um bom emprego, e uma casa no campo