domingo, 2 de setembro de 2007

O preço do progresso.

Via aquele parafuso gigante penetrar a terra, corrompendo seu cerne, como se perfurasse meus próprios pés. Dilacera a terra e a minha vivacidade num barulho agonizante e incessante. Tão agudo aos meus ouvidos que por mais distante que se encontre é como se estivesse ao meu lado, perfurando meus ouvidos. Faço parte de um fragmento da vida em que tudo muda numa freqüência tão aterrorizadora. Vejo as mudanças tão latentes em meu cotidiano que não há férias que me faça deglutir todo esse imprensamento de meu estomago, de meus olhos, de minhas mãos. Mesmo que feche todas as janelas e portas de minha casa ainda assim ouço aquele martelo e todo aquele barulho de metal se rebatendo em favor do progresso. Cada martelada é um buraco que se abre nas entranhas do solo, cada buraco é mais uma viga que se edifica para que possamos nos espremer no menor espaço possível. Parece-me que está é a idéia: quanto mais gente conseguir habitar o menos espaço possível, melhor! Todo esse metal que trás consigo esse progresso maldito me enche de uma dor vazia como se esse parafuso gigante perfurasse meu crânio e em qualquer instante pudesse sair pelos meus pés. Mas ele nunca termina este trabalho, encontra-se estagnado dentro de mim e não consigo tirá-lo de meu corpo. E a cada martelada que se destina ao solo, me perfuram mais, numa martelada sem fim e sem fundo. Não há lugar por onde eu ande que me sinto tranqüila com meus pensamentos. Há sempre um barulho a romper a calma que as nuvens produzem. Há sempre algo à se olhar, um ruído à ser ouvido, um sol de rachar a pele e um odor de esgoto que chega ao nariz com tanta veemência que posso jurar que sinto o gosto desta cidade em minha boca. Um gosto de metal e clorofórmio fecal. E aquele parafuso gigante guiado por mãos tão pequenas me penetra insistentemente como uma graxa que não sai de nossas mãos. O céu que antes era azul me parece cinza, mas de um cinza sem cor, afogado no concreto e no fedor. É como se esse parafuso gigante arrancasse minhas víceras, mas nunca completasse seu trabalho. Há alguns anos pensei que essa agonia em algum momento pudesse ter fim, pensei que em algum lugar no tempo não fosse existir mais casas que pudessem ser derrubadas para dar lugar a uma serpente sem corpo e sem mola, mas sempre há algo a ser destruído para que alguma coisa com mais concreto, mais gente e mais barulho possa existir. Vamos espremendo-nos até que não sobre mais espaço para dar um peido, que agora fede mais por causa dos enlatados.


(Guernica - Pablo Picasso)

Paciência - Lenine

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mias veloz
A gente espera do mundo e mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber, a vida é tão rara... tão rara
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não

6 comentários:

Anônimo disse...

Disforme e sereno, o concreto se espalha, nos roubando o vazio contemplativo de um horizonte que outrora estivera repleto de promessas. Paredes se amontoam de forma claustrofóbica para contemplar de alturas artificiais a fragilidade do homem. E o aço, por sua vez, suporta o peso das atrocidades cometidas em prol de um intangível progresso.

Rompe o dia e o óleo começa novamente a correr nas veias das máquinas. Coordenados, os rugidos cronogramados dos motores compõe a sinistra cacofonia que permeia toda e cada fibra desta cidade. São estes templos frios, erigidos para deuses cruéis e sem nome, que nos tornam o que somos hoje - frágeis habitantes do concreto, cujos sonhos despedaçados pavimentam ruas que não levam a lugar nenhum.

Os pequenos espaços em que habitamos se reduzirão até que nos tornemos uma horrenda amálgama humana, mantida unida tão somente pela violenta força da solidão.

Anônimo disse...

como sempre ... deixei alguns erros me escaparem

...

Disforme e sereno, o concreto se espalha, nos roubando o vazio contemplativo de um horizonte que outrora estivera repleto de promessas. Paredes se amontoam de forma claustrofóbica para observar de alturas artificiais a fragilidade do homem. E o aço, por sua vez, suporta o peso das atrocidades cometidas em prol de um intangível progresso.

Rompe o dia e o óleo começa novamente a correr nas veias das máquinas. Coordenados, os rugidos cronogramados dos motores compõe a sinistra cacofonia que permeia toda e cada fibra desta cidade. São estes templos frios, erigidos para deuses cruéis e sem nome, que nos tornam o que somos hoje - frágeis habitantes do concreto, cujos sonhos despedaçados pavimentam ruas que não levam a lugar nenhum.

Os pequenos espaços em que habitamos se reduzirão até que nos tornemos uma horrenda amálgama humana, mantida unida tão somente pela força atroz da solidão.

Ligia Protti disse...

Oi Camila, que bom ler-te. Fico feliz que tb tenha curtido o Omelete, e é claro que pode colocar o link aqui sim! Vou colocar o seu lá tb!

Sinto quase o mesmo sobre o parafuso "progressivo" nas reentrâncias da vida. E a maioria continua aí, se entupindo de enlatados, de todas os tipos.

Anônimo disse...

"90% de ferro nos trilhos
80% de ferro nas almas"...

não foi mais ou menos isso que o Drummond disse sobre Itabira??

O pior é o concreto espalhado por nossas mentes e que tranca nossas bocas e corações. O concreto das ruas pode ser rompido, ou podemos simplesmente dançar sobre ele, ler poesia ou fazer amor. Com concreto na alma, não há Fernando de Noronha que nos salve. Não adianta ir viver na floresta se levamos nosso travesseiro de pedra juntos, que nos impede de sonhar...

Uma Música Por Dia disse...

tem dias que gosto da cidade, tem dias que gosto do campo, tb tem dias que detesto os dois.
tem dias que como mcdonald's, tem dias que como churrasco, nesses dias eu peido fedorento.
tem dias que gosto do meu peido, tem dias que não suporto o meu peido.
tem dias que quero fazer sexo, noutros dias também.
tem dias que td faz sentido, noutros não encontro um. nada disso tem sentido, mas precisa ter?
navegar é preciso, viver não é preciso.
tem dias que quero ouvir música, tem dias que eu posto uma, tem dias que não!

lesly disse...

camila, este texto é impactante.
fico sem palavras.
parabéns.