sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ao Deus Kom Unik Assão


(Carlos Drummond de Andrade)





Eis-me prostado a vossos peses
que sendo tantos todo plural é pouco.
Deglutindo gratamente vossas fezes
vai se tornando são quem era louco.
Nem precisa cabeça pois a boca
nasce diretamente do pescoço
e em vosso esplendor de auriquilate
faz sol o que era osso.

Genuncircunflexado vos adouro
Vos amouro, a vós sonouro
Deus da buzina & da morfina
que me esvazias enchendo-me de flato
e flauta e fanoipéia e fone e feno.
Vossa pá lavra o chão de minha carne
E planta beterrabos balouçantes
de intenso carneiral belibalentes
em que disperso espremo e desexprimo
o que em mim aspirava a ser eumano

Salva, deus compacto
cinturão da Terra
calça circular
unissex, rex
do lugarfalar
comum.
Salve,meio-fim
De finrinfinfim
Plurimelodia
Distriburrida no planeta.
Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada
engole elefantes
engole catástrofes
tão naturalmente como se.
E PEDE MAIS.

A carne pisoteada de cavalos reclama
pisaduras mais.
A vontade sem vontade encrespa-se exige
contravontades mais.
E se consome no consumo.

Senhor dos lares
e lupanares
Senhor dos projetos
e do pré-alfabeto
Senhor do ópio
E do cor-no-copo
Senhor! Senhor!
De nosso poema fazei uma dor
que nos irmane, Manaus e Birmânia
pavão e Pavone
pavio e povo
pangaré e Pan
e Ré Dó Mi Fá Sol-
apante salmoura
n'alma, cação podrido.
Tão naturalmente como se
Como ni
ou niente.

Se estou doente, devo estar doentes.
Se estou sozinho devo estar desertos.
Se estou alegre deve estar ruidosos.
Se estou morrendo, devo estar morrendos?

Cumpro. Sou
geral.
É pouco?
Multi
versal.
É nada?
Sou
al.
Dorme na tumba a cultura oral.
Era uma vez a cultura visual.
Quando que vem a cultural anal
na recompensa aldeia tribal?

O meio é a mensagem
O meio é a massagem
O meio é a mixagem
O meio é a micagem
A mensagem é o meio
de chegar ao Meio.
O Meio é o ser
Em lugar dos seres, isento de lugar,
Dispensando meios
de fluorescer.

Salve, Meio. Salve, Melo.
A massa vos saúda
em forma de passa.

Não quero calar junto do amigo.
Não quero dormir abraçado
ao velho amor.
Não quero ler a seu lado.
Não quero falar
a minha palavra
a nossa palavra.
Não quero assoviar
a canção parceria
de passarinho/aragem.
Quero komunikar
em código
descodificar
recodificar
eletronicamente.

Se komuniko
que amorico
me centimultiplico
scotch no bico
paparico
rio rico
salpico
de prazer meu penico
em vosso honor, ó Deus komunikão.

Farto de komunikar
Na pequenina taba
subo ao céu em foguete
até a prima solidão
levando o som
a cor, o pavilhão da komunikânsia
interplanetária interpatetal.
Convoco os astros
para o coquetel
os mundos esparsos
para a convenção
a inocência das galáxias
para a notícia
a nivola
o show de bala
o sexpudim
o blabladum.

E quando não restar
O mínimo ponto
a ser detectado
a ser invadido
a ser consumido
e todos os seres
se atomizarem na supermensagem
do supervácuo
e todas as coisas
se apagarem no circuito global
e o Meio
deixar de ser Fim e chegar ao fim,
Senhor! Senhor!
Quem vos salvará
de vossa própria, de vossa terríbil
estremendona
inkomunikhassão?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aquela que Ama

Algumas coisas foram construídas
para serem eternas
Essas coisas não existem mais


Ai meu coração que não se cansa de se apaixonar, quando leio Fernando pessoa em noites de tabacarias e o ouço me dizer na surdina “nada me prende a nada/ quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo/ anseio com uma angústia de fome de carne” ou “não eu não quero nada/ já disse que não quero nada// não me venha com conclusões/ a única conclusão é morrer” meu coração palpita sedenta por desejo de conhecê-lo, de fazer parte de seu dia e compartilhar sua dor, simplesmente observá-lo enquanto escreve um poema e assim ao menos ter alguma idéia do que ele passava no momento em que escrevia aquilo e acolá, o livro que comprei  num sebo que já não me recordo o nome, e que também já não tem importância desde  que eu possa chegar lá novamente algum dia sem precisar de nomes ou endereços, apenas  com minha memória fotográfica, fica abaixo de uma galeria da qual também não sei o nome, se é que um dia soube, o sebo era encantador, como tudo no centro do Rio de janeiro, gigante, e somente com livros que valem a pena comprar, se recusam a vender Paulo coelho ou o caçador de pipas, fui direto na seção de poesias, não sei porque mas os vendedores sempre simpatizam comigo, acho que é pelo tamanho dos meus dentes, somente os poetas lêem poesia ele me diz retribuindo o sorriso, tabacaria da ediouros versão pocket  com folhas finas e amareladas do tipo mais vagabundo, e os poemas seguidos um do outro, sem aquele espaço necessário entre ele, aquele espaço que precisamos para nos recuperar e digerir corretamente um poema, é a única coisa que meu dinheiro permite levar, cinco merréis, valeu mais que cada centavo, afinal o importante é a palavra escrita e poder tocar num livro e ler as palavras e ter a sensação de que elas existem, não ficam somente no plano do que poderia ser mas não é, o livro é algo que se materializa. Quando abri o livro, já em casa, a página é cinqüenta e me revela um poema homônimo do livro tabacaria 15 -1-1928 ai como gostaria de estar viva neste dia, em frente à tabacaria, na mesma hora em que ele se encontrava para lhe perguntar se  gostaria de compartilhar um café ou um cigarro, mesmo que fosse para ele me dizer não muito obrigado, preciso terminar esta poesia, a inspiração não pode falhar, para que 82 anos depois ele possa me dizer sinceramente, mesmo que ausente, “não sou nada/ nunca serei nada/ não posso querer ser nada/ à parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo... a história não marcará, quem sabe?, nem um, / nem haverá se não estrume de tantas conquistas futuras...olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolate” para dentro de mim gozar secretamente e pensar, eu poderia ter sido amante de Fernando pessoa iria a Lisboa somente para arrumar seu quarto e preparar sua comida, eu poderia ser amante de todos os grandes gênios sem que para isso precisasse tocá-los, somente o prazer de compartilhar o mesmo espaço.
A matéria livro, estava eu na livraria travessa, no ccbb rio, angustiada por não poder comprar um livro, ao som de um jazz que também não sei o nome e duvido que isto tenha importância, o som era bom, e dizer com voz de quem faz manha, vamos embora, ficar aqui me deixa triste porque não posso comprar nenhum livro, o segurança sorriu para mim, ele ouviu o que eu disse e achou engraçado, engraçada eu, lhe confessei que pelo menos as músicas hoje em dia são de graça basta baixar da internet ou copiar de um pen drive de um amigo, bem, a música ninguém me tira, ela já é virtual por natureza, mas um livro não, nada substitui o prazer de ter um livro em mãos, ele ficou meu amigo, eu passo lá em frente e ele me cumprimenta, as pessoas do rio me parecem simpáticas, mesmo que insistam em me dizer o contrário. Estou apaixonada.
Apaixonei-me também por Bandeira de Mello, que perfeição são seus traços, a preferência pelo desenho e cores ocres revelam seu fascínio pelo primitivo pela perfeição da forma, pela técnica, isso percebe-se que ele tem, mas há algo mais, sua sutileza revelam sua identidade, traços fortes e único, apreender tudo para revelar somente o essencial, de primitivo carrega também sua preferência por trabalhar com pastel, crayon, sanguínea, pedra negra, nanquim, têmpera e o óleo quase como uma auxiliar, não como peça principal. Queria visitar seu ateliê, dizer que também poderia ser sua amante, ficar quieta encostando meu queixo numa bancada e ouvindo ele dizer como se faz isso ou aquilo. Já chega rua das laranjeiras numero 34. 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


Marcel Duchamp, Mictório, 1917


o princípio do fim. Duchamp foi genial ao colocar um mictório numa galeria, mas depois disso veio a arte conceitual e as instalações que brotam de todos os lugares e que viraram mais tratados sociológicos com a necessidade de ler uma bula de remédio para entender do que se trata, do que arte, e a estética e a beleza se perderam. podem me chamar de antiquada, velha, e tudo que quiserem, mas essa arte não me toca nem de longe, mantenho distancia das galerias que as abrigam. ou então entro só pra dar uma zuada, afinal a ironia também me diverte