segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aquela que Ama

Algumas coisas foram construídas
para serem eternas
Essas coisas não existem mais


Ai meu coração que não se cansa de se apaixonar, quando leio Fernando pessoa em noites de tabacarias e o ouço me dizer na surdina “nada me prende a nada/ quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo/ anseio com uma angústia de fome de carne” ou “não eu não quero nada/ já disse que não quero nada// não me venha com conclusões/ a única conclusão é morrer” meu coração palpita sedenta por desejo de conhecê-lo, de fazer parte de seu dia e compartilhar sua dor, simplesmente observá-lo enquanto escreve um poema e assim ao menos ter alguma idéia do que ele passava no momento em que escrevia aquilo e acolá, o livro que comprei  num sebo que já não me recordo o nome, e que também já não tem importância desde  que eu possa chegar lá novamente algum dia sem precisar de nomes ou endereços, apenas  com minha memória fotográfica, fica abaixo de uma galeria da qual também não sei o nome, se é que um dia soube, o sebo era encantador, como tudo no centro do Rio de janeiro, gigante, e somente com livros que valem a pena comprar, se recusam a vender Paulo coelho ou o caçador de pipas, fui direto na seção de poesias, não sei porque mas os vendedores sempre simpatizam comigo, acho que é pelo tamanho dos meus dentes, somente os poetas lêem poesia ele me diz retribuindo o sorriso, tabacaria da ediouros versão pocket  com folhas finas e amareladas do tipo mais vagabundo, e os poemas seguidos um do outro, sem aquele espaço necessário entre ele, aquele espaço que precisamos para nos recuperar e digerir corretamente um poema, é a única coisa que meu dinheiro permite levar, cinco merréis, valeu mais que cada centavo, afinal o importante é a palavra escrita e poder tocar num livro e ler as palavras e ter a sensação de que elas existem, não ficam somente no plano do que poderia ser mas não é, o livro é algo que se materializa. Quando abri o livro, já em casa, a página é cinqüenta e me revela um poema homônimo do livro tabacaria 15 -1-1928 ai como gostaria de estar viva neste dia, em frente à tabacaria, na mesma hora em que ele se encontrava para lhe perguntar se  gostaria de compartilhar um café ou um cigarro, mesmo que fosse para ele me dizer não muito obrigado, preciso terminar esta poesia, a inspiração não pode falhar, para que 82 anos depois ele possa me dizer sinceramente, mesmo que ausente, “não sou nada/ nunca serei nada/ não posso querer ser nada/ à parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo... a história não marcará, quem sabe?, nem um, / nem haverá se não estrume de tantas conquistas futuras...olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolate” para dentro de mim gozar secretamente e pensar, eu poderia ter sido amante de Fernando pessoa iria a Lisboa somente para arrumar seu quarto e preparar sua comida, eu poderia ser amante de todos os grandes gênios sem que para isso precisasse tocá-los, somente o prazer de compartilhar o mesmo espaço.
A matéria livro, estava eu na livraria travessa, no ccbb rio, angustiada por não poder comprar um livro, ao som de um jazz que também não sei o nome e duvido que isto tenha importância, o som era bom, e dizer com voz de quem faz manha, vamos embora, ficar aqui me deixa triste porque não posso comprar nenhum livro, o segurança sorriu para mim, ele ouviu o que eu disse e achou engraçado, engraçada eu, lhe confessei que pelo menos as músicas hoje em dia são de graça basta baixar da internet ou copiar de um pen drive de um amigo, bem, a música ninguém me tira, ela já é virtual por natureza, mas um livro não, nada substitui o prazer de ter um livro em mãos, ele ficou meu amigo, eu passo lá em frente e ele me cumprimenta, as pessoas do rio me parecem simpáticas, mesmo que insistam em me dizer o contrário. Estou apaixonada.
Apaixonei-me também por Bandeira de Mello, que perfeição são seus traços, a preferência pelo desenho e cores ocres revelam seu fascínio pelo primitivo pela perfeição da forma, pela técnica, isso percebe-se que ele tem, mas há algo mais, sua sutileza revelam sua identidade, traços fortes e único, apreender tudo para revelar somente o essencial, de primitivo carrega também sua preferência por trabalhar com pastel, crayon, sanguínea, pedra negra, nanquim, têmpera e o óleo quase como uma auxiliar, não como peça principal. Queria visitar seu ateliê, dizer que também poderia ser sua amante, ficar quieta encostando meu queixo numa bancada e ouvindo ele dizer como se faz isso ou aquilo. Já chega rua das laranjeiras numero 34. 

Um comentário:

Natali disse...

Torna-se amante sempre que ama. És a amante secreta de Pessoa, Drummond e tantos outros que te trazem delícias na solidão de tuas noites tabagísticas... queria ter estado contigo nesta tua incursão bibliófila pelo Rio, que tenho certeza só pelo teu texto, continua lindo!