domingo, 11 de julho de 2010

Aos trinta

Tenho me achado feio, inescrupuloso e vil nos últimos dias, um sanguessuga de mim mesmo e da vida, fadado e farto ao ter que aceitar e me conformar com uma vida pequena. Sinto falta de algo grandioso, extraordinário. Sinto falta de não ter aprendido a cozinhar enquanto era tempo, ou de ter aprendido a tocar um instrumento que me punha no roll dos caras bons de cama, sinto falta de não ter saltado de pára-quedas, feito rafting, descido uma cachoeira de rapel, ter pedido carona, viajado com a mochila nas costas, conhecido um grande amor. Não fiz nada e agora é tarde, me resta a conformidade das formigas que trabalham o ano inteiro sem que nada além lhes aconteça.

Alguns marxistas fanáticos diriam que me vendi para o sistema, mas quem não se venderia diante de tantas contas que se tornaram maiores que as crises existenciais provocadas pelos filmes de Bergman. Mas é que não vim de família abastada, não fui abençoado por um tio milionário solteiro cujo sobrinho favorito seria eu, não conheci um mecenas que investisse em meus devaneios artísticos, não escolhi como profissão ser médico, engenheiro ou empresário de grande porte, não fui premiado com uma inteligência sobrehumana nem nasci muito bonito (bem verdade que não sou muito feio), vim a este mundo sem grandes talentos, e nada disso me trariam um futuro promissor. Só pude andar de avião após os 25 quando as tarifas caíram de preço devido a concorrência, e chegar a um destino em uma hora ao invés de oito, me tornou num capitalista ferrenho adepto da livre concorrência, é que apesar do desconforto das poltronas que exigiam uma acerto da coluna em 90 graus, tímpanos estourados e vertigem, ainda assim era melhor que correr o risco de sentar ao lado de um gordo e passar a noite inteira se revirando na poltrona reclinável de um ônibus. Herdei da cidade que nasci a pacata rotina de uma cidade do interior, com direito a coronelismos, clientelismos e matadores. Nasci de João Ninguém e porque minha mãe viu televisão, virei Yann Ninguém, magro, estatura dentro da média nacional, nem branco nem preto e cultivo uma barba por preguiça e influências socialistas, ou algo parecido. Vim pra capital fazer faculdade, a ajuda de meus pais era pouca, por isso, desde cedo tive que aprender a me virar sozinho financeiramente, arranjei um emprego numa livraria.

Às vezes penso que deveria ter me casado com Rachimyr enquanto era tempo, mesmo sabendo que não daria certo, mas para chegar agora, aos trinta, e poder dizer que fiz algo de minha vida. Uma estudante de artes, cheia de vida e ideais, cabelos pretos, compridos e lisos, juntos iríamos mudar o mundo. Mas nem isso tive coragem de fazer enquanto ela me olhava com a face molhada insistindo que ao menos eu dissesse alguma coisa. Ela já havia chegado a um ponto de sua vida que não poderia mais perder tempo com Yann Ninguém em um relacionamento sem perspectiva. Nem aceno com a cabeça tive coragem de lhe oferecer, deixei que tirasse suas próprias conclusões através de meu silêncio. Melhor assim, hoje Rachimyr está noiva de um bom rapaz, doutor em biologia, e foi morar em Mossoró. Sabe-se deus onde fica Mossoró, mas me parece um bom lugar para se criar os filhos.

Por algum tempo os amigos em comum diziam que ela falava sobre mim com desprezo e uma raiva contida que quanto mais ela tentava não transparecer, mais claro ficava o quanto me odiava. Não lhe guardo rancores, tão pouco poderia, mas olhando para trás, melhor seria se tivéssemos cassado. Rachimyr continuaria a reclamar de minha mania de dormir de meias mesmo nos dias mais quentes de verão, de como ando devagar na rua, dos copos sujos em cima da pia e espalhados pelo resto da casa, de quando bebia água no bico para não sujar copos e não ter que lavá-los, e porque nunca tomava uma atitude diante das situações necessária, e em três anos ela se daria conta de que não é nada disso que ela queria, ela queria era fazer mestrado, viajar pelo mundo, ser uma grande artista, e partiria sem mágoas por livre vontade e não porque deduziu que não teria um futuro ao seu lado. Eu a ajudaria concretizar seus planos e nós ainda seriamos amigos, e eu, ao menos, teria feito algo antes dos trinta.

2 comentários:

Rodrigo disse...

Caralho... me vi como autor desse texto!
quem é?

Cami Silveira disse...

soy yo!!!
meu eu masculino
aguarde que tem mais